DISPERSÃO
- 2008 -




Fórum Cultural de Cerveira – Dispersão, Vila Nova de Cerveira.

Curadoria Ana Luísa Barão










Pumm! Onomatopeia II
Instalação vídeo
Vídeo digital, cor som
16''







"Quando o sobrenatural acontece duas vezes deixa de ser aterrador"

Jorge Luís borges






Pumm!! Onomatopeia II

“Pressinto um grande intervalo”

“Procurando invalidar o principio da narrativa estruturalmente ligado à projecção sequencial de imagens, Tiago Cruz coloca a tónica do projecto Pumm!! Onomatopeia II na subversão desse principio impondo um confronto entre a descontinuidade física da imagem – colocando o desenvolvimento da narrativa na ausência ou na interrupção do fluxo visual – e na inexistência de relação directa, mas esperada, entre imagem e discurso sonoro. Duas imagens sincronizadas, dois tempos simultâneos, uma mesma acção e uma sonoridade autónoma, dessincronizada. A Desconectividade entre visão e audição é perceptível e funciona de modo disruptivo. Cabe ao espectador a unificação dos diferentes fragmentos e a construção de uma narrativa paralela.”

Ana Luísa Barão

Coimbra, 28 de Abril de 2008







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Escavação II
Instalação
Acrílico, madeira, parafisis, mdf, tinta acílica, som
dimensões variáveis
2008







Escavação

Nesta instalação eu trabalhei com dois subtítulos do poema "Dispersão" de Mário de Sá Carneiro que foi entregue a cada um dos artistas , "Dispersão" e "Escavação".
Cada uma das palavras que construía o poema Escavação foi gravada em placas de acrílico.
A Obra é a sobreposição dessas placas que criavam uma mancha gráfica trazendo assim para o objecto final a ideia de escavação para a sua "compreensão".
Esta não deixa de ser uma analogia entre poesia e ruína. De que maneira é que o todo pode existir no fragmento? Não será a poesia o todo disfarçado de ruína?
O meu trabalho é talvez uma dispersão do próprio sentido do poema. No entanto esse dispersar do sentido original não é uma fuga mas sim uma tentativa de o "compreender" melhor, ou seja, dar-lhe um continuar.
O meu objecto final é então a "dispersão da dispersão". A concentração.
Concentração das placas de acrílico, concentração nos vários sentidos da dispersão.
Duas paredes encontram-se no chão e delas sai um ruído, como se tratasse do som das suas quedas. Toda a instalação está atravessada pela possibilidade de desastre, de queda.
E se a estrutura que tinha todas as placas de acrílico concentradas caísse, não seria isso mais um dispersar?



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Escavação IV
Instalação
Enxada, tinta de esmalte, fotografia digital
Dimensões variáveis
2008







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Dispersão 1914
de Mário de Sá Carneiro




ESCAVAÇÃO


Numa ânsia de ter alguma cousa,

Divago por mim mesmo a procurar,

Desço-me todo, em vão, sem nada achar,

E a minh’alma perdida não repousa.

Nada tendo, decido-me a criar:

Brando a espada: sou luz harmoniosa

E chama genial que tudo ousa

Unicamente à força de sonhar...

Mas a vitória fulva esvai-se logo...

E cinzas, cinzas só, em vez de fogo...

– Onde existo que não existo em mim?

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Um cemitério falso sem ossadas,

Noites d’amor sem bocas esmagadas –

Tudo outro espasmo que princípio ou fim...

Paris 1913 – Maio 3








DISPERSÃO


Perdi-me dentro de mim

Porque eu era labirinto,

E hoje, quando me sinto,

É com saudades de mim.

Passei pela minha vida

Um astro doido a sonhar.

Na ânsia de ultrapassar,

Nem dei pela minha vida...

Para mim é sempre ontem,

Não tenho amanhã nem hoje:

O tempo que aos outros foge

Cai sobre mim feito ontem.

(O Domingo de Paris

Lembra-me o desaparecido

Que sentia comovido

Os Domingos de Paris:

Porque um domingo é família,

É bem-estar, é singeleza,

E os que olham a beleza

Não têm bem-estar nem família).

O pobre moço das ânsias...

Tu sim, tu eras alguém!

E foi por isso também

Que te abismaste nas ânsias.

A grande ave dourada

Bateu asas para os céus,

Mas fechou-as saciada

Ao ver que ganhava os céus.

Como se chora um amante,

Assim me choro a mim mesmo:

Eu fui amante inconstante

Que se traiu a si mesmo.

Não sinto o espaço que encerro

Nem as linhas que projecto:

Se me olho a um espelho, erro –

Não me acho no que projecto.

Regresso dentro de mim

Mas nada me fala, nada!

Tenho a alma amortalhada,

Sequinha, dentro de mim.

Não perdi a minha alma,

Fiquei com ela, perdida.

Assim eu choro, da vida,

A morte da minha alma.

Saudosamente recordo

Uma gentil companheira

Que na minha vida inteira

Eu nunca vi... mas recordo

A sua boca doirada

E o seu corpo esmaecido,

Em um hálito perdido

Que vem na tarde doirada.

(As minhas grandes saudades

São do que nunca enlacei.

Ai, como eu tenho saudades

Dos sonhos que não sonhei!...)

E sinto que a minha morte –

Minha dispersão total –

Existe lá longe, ao norte,

Numa grande capital.

Vejo o meu último dia

Pintado em rolos de fumo,

E todo azul-de-agonia

Em sombra e além me sumo.

Ternura feita saudade,

Eu beijo as minhas mãos brancas...

Sou amor e piedade

Em face dessas mãos brancas...

Tristes mãos longas e lindas

Que eram feitas pra se dar...

Ninguém mas quis apertar...

Tristes mãos longas e lindas...

E tenho pena de mim,

Pobre menino ideal...

Que me faltou afinal?

Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...

Desceu-me n’alma o crepúsculo;

Eu fui alguém que passou.

Serei, mas já não me sou;

Não vivo, durmo o crepúsculo.

Álcool dum sono outonal

Me penetrou vagamente

A difundir-me dormente

Em uma bruma outonal.

Perdi a morte e a vida,

E, louco, não enlouqueço...

A hora foge vivida,

Eu sigo-a, mas permaneço...

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Castelos desmantelados,

Leões alados sem juba...

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